6 às 7
Cláudia Lira, voz
Luís Melo, guitarra
Paulo Figueiredo, baixo
Pedro Cerveira, flauta
Ricardo Fonseca, piano
António Secca, bateria
Paulo Gomes, direção musical
- Sinopse -
As canções são uma forma secular de comunicação em todas as comunidades humanas. Muitas perduram na memória e nas emoções, e algumas imortalizam-se pelas circunstâncias que as envolveram. As canções associadas ao tema da liberdade, lançadas antes e depois do 25 de Abril, são um exemplo recente em Portugal.
Os 6às7, uma banda tipicamente centrada em temas de jazz, apresenta desta vez uma abordagem diferente a várias das mais conhecidas “canções de liberdade” de autores portugueses como José Afonso, Trovante, Sérgio Godinho, Vitorino e José Luís Tinoco/Carlos do Carmo. Temas inesquecíveis como “Os Índios da Meia Praia”, “Um Homem na Cidade”, “A Queda do Império”, “Venham Mais Cinco”, entre outros, surgem agora numa paleta musical que incorpora momentos de improvisação característicos do jazz americano.
- Alinhamento -
ERA UM REDONDO VOCÁBULO | José Afonso
NO TEU POEMA | José Luís Tinoco / Carlos do Carmo
NO TEU POEMA | José Luís Tinoco / Carlos do Carmo
UM HOMEM NA CIDADE | José Luís Tinoco / Carlos do Carmo
OS ÍNDIOS DA MEIA-PRAIA | José Afonso
PERDIDAMENTE | Trovante / Florbela Espanca
E DEPOIS DO ADEUS | José Calvário / José Niza / Paulo de Carvalho
NA BEIRA DO CAIS | Luís Melo / Paulo Gomes
QUEDA DO IMPÉRIO | Vitorino
A NOITE PASSADA | Sérgio Godinho
QUEDA DO IMPÉRIO | Vitorino
A NOITE PASSADA | Sérgio Godinho
VENHAM MAIS CINCO | José Afonso
- Letras -
Era um redondo vocábulo José Afonso
Era redondo o vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Nos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa
No teu poema José Luís Tinoco / Carlos do Carmo
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema
Existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor, mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha
No teu poema
Existe um canto, chão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda me escapa
E um verso em branco à espera do futuro
Um homem na cidade José Luís Tinoco / Carlos do Carmo
Agarro a madrugada
Como se fosse uma criança
Uma roseira entrelaçada
Uma videira de esperança
Tal qual o corpo da cidade
Que manhã cedo ensaia a dança
De quem por força da vontade
De trabalhar nunca se cansa
Vou pela rua dessa lua
Que no meu Tejo acende o cio
Vou por Lisboa, maré nua
Que desagua no Rossio
Eu sou o homem na cidade
Que manhã cedo acorda e canta
E por amar a liberdade
Com a cidade se levanta
Vou pela estrada deslumbrada
Da lua cheia de Lisboa
Até que a lua apaixonada
Cresça na vela da canoa
Sou a gaivota que derrota
Todo o mau tempo no mar alto
Eu sou o homem que transporta
A maré povo em sobressalto
E quando agarro a madrugada
Colho a manhã como uma flor
À beira mágoa desfolhada
Um malmequer azul na cor
O malmequer da liberdade
Que bem me quer como ninguém
O malmequer desta cidade
Que me quer bem, que me quer bem
Nas minhas mãos, a madrugada
Abriu a flor de Abril também
A flor sem medo, perfumada
Com o aroma que o mar tem
Flor de Lisboa tão amada
Que mal me quis
Que me quer bem
Os Índios da Meia-Praia José Afonso
Aldeia da Meia Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga da melhor
Que sei e faço de Monte Gordo vieram alguns
Por seu próprio pé um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha à ré
Quando os teus olhos tropeçam no
Voo de uma gaivota em vez de peixe vi peças
De oiro caindo na lota
Quem aqui vier morar, não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Tu trabalhas todo o ano
Na lota deixam-te mudo
Chupam-te até ao tutano
Levam-te o couro cabeludo
Quem dera que a gente
Tenha de agostinha valentia
Para alimentar a sanha de esganar a burguesia
Adeus disse a Monte Gordo
Nada o prende ao mal passado
Mas nada o prende ao presente se
Só ele é o enganado
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Oito mil horas contadas laboraram a preceito
Até que veio o primeiro documento autenticado
Eram mulheres e crianças
Cada um com seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
Quem diz o contrário é tolo
E se a má lingua não cessa
Eu daqui vivo não saia
Pois nada apaga a nobreza dos
Índios da Meia Praia
Foi sempre a tua figura tubarão de mil aparas
Deixas tudo à dependura quando
Na presa reparas
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Das eleições acabadas do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas
Mas não por vontade própria
Porque a luta continua
Pois é dele a sua história e
O povo saiu à rua
Mandadores de alta finança fazem
Tudo andar p'ra trás
Dizem que o mundo só anda
Tendo à frente um capataz
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Eram mulheres e crianças cada
Um com seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
Que diz o contrário é tolo
E toca de papelada no vaivém dos ministérios
Mas hão-de fugir aos berros inda
A banda vai na estrada
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
Iiiii iuuuu
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Aldeia da Meia-Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga
Da melhor que sei e faço
De Monte-Gordo vieram
Alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha a ré
Houve até quem estendesse
A mão a mãe caridade
Para comprar um bilhete
De paragem para a cidade
Oh, mar, que tanto forcejas
Pescador de peixe ingrato
Trabalhaste noite e dia
Para ganhares um pataco
Quando os teus olhos tropeçam
No voo duma gaivota
Em vez de peixe vê peças
De ouro caindo na lota
Quem aqui vier morar
Não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
Uma cabana de colmo
E viva a comunidade
Quando a gente está unida
Tudo se faz de vontade
Tudo se faz de vontade
Mas não chega a nossa voz
Só do mar tem o proveito
Quem se aproveita de nós
Tu trabalhas todo o ano
Na lota deixam-te mudo
Chupam-te até ao tutano
Chupam-te o couro cab'ludo
Quem dera que a gente tenha
De Agostinho a valentia
Para alimentar a sanha
De esganar a burguesia
Diz o amigo no aperto
Pouco ganho, muita léria
Hei-de fazer uma casa
Feita de pau e de pedra
Adeus disse a Monte-Gordo
(Nada o prende ao mal passado)
Mas nada o prende ao presente
Se só ele é o enganado
Foram ficando, ficando
Quando um dia um cidadão
Não sei nem como nem quando
Veio à baila a habitaçao
Mas quem tem calos no rabo
E isto não é segredo
É sempre desconfiado
Poe-se atrás do arvoredo
Oito mil horas contadas
Laboraram a preceito
Até que veio o primeiro
Documento autenticado
Veio um cheque pelo correio
E alguns pedreiros amigos
Disse o pescador consigo
Só quem trabalha é honrado
Quem aqui vier morar
Não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
Eram mulheres e crianças
Cada um c'o seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
Quem diz o contrário é tolo
E toda a gente interessada
Colabarou a preceito
Vamos trabalhar a eito
Dizia a rapaziada
Não basta pregar um prego
Para ter um bairro novo
Só unidos venceremos
Reza um ditado do Povo
E se a má língua não cessa
Eu daqui vivo não saia
Pois nada apaga a nobreza
Dos índios da Meia-Praia
Quem vê na praia o turista
Para jogar na roleta
Vestir a casaca preta
Do malfrao capitalista
Foi sempre a tua figura
Tubarão de mil aparas
Deixar tudo à dependura
Quando na presa reparas
Das eleiçoes acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas
Mas não por vontade própria
Porque a luta continua
Pois é dele a sua história
E o povo saiu à rua
Mandadores de alta finança
Fazem tudo andar pra trás
Dizem que o mundo só anda
Tendo à frente um capataz
E toca de papelada
No vaivém dos ministérios
Mas hão-de fugir aos berros
Inda a banda vai na estrada
Eram mulheres e crianças
Cada um c'o seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
Quem diz o contrário é tolo
Perdidamente Trovante/Florbela Espanca
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja
É ter garras e asas de condor!
E é amar-te, assim, perdidamente
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
E Depois do Adeus José Calvário / José Niza / Paulo de Carvalho
Quis saber quem sou, o que faço aqui
Quem me abandonou, de quem me esqueci
Perguntei por mim, quis saber de nós
Mas o mar não me traz tua voz
Em silêncio amor, em tristeza enfim
Eu te sinto em flor, eu te sofro em mim
Eu te lembro assim, partir é morrer
Como amar é ganhar e perder
Tu vieste em flor, eu te desfolhei
Tu te deste em amor, eu nada te dei
Em teu corpo amor, eu adormeci
Morri nele e ao morrer renasci
E depois do amor, e depois de nós
O dizer adeus, o ficarmos sós
Teu lugar a mais, tua ausência em mim
Tua paz que perdi, minha dor que aprendi
De novo vieste em flor te desfolhei
E depois do amor, e depois de nós
O adeus, o ficarmos sós
Queda do Império Vitorino
Perguntei ao vento
Onde foi encontrar
Mago sopro encanto
Nau da vela em cruz
Foi nas ondas do mar
Do mundo inteiro
Terras da perdição
Parco império mil almas
Por pau de canela e mazagão
Pata de negreiro
Tira e foge á morte
Que a sorte é de quem
A terra amou
E no peito guardou
Cheiro da mata eterna
Laranja Luanda
Sempre em flor
A Noite Passada Sérgio Godinho
A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos
A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então tu olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"
Venham Mais Cinco José Afonso
Venham mais cinco
Duma assentada que eu pago já
Do branco ao tinto
Se o velho estica, eu fico por cá
Se tem má pinta
Dá-lhe um apito e põe-no a andar
De espada na cinta
Já crê que é rei de quem é de além-mar
Não me obriguem a vir para a rua gritar
Que é já tempo de embalar a trouxa e zarpar
A gente ajuda
Havemos de ser mais, eu bem sei
Mas há quem queira
Deitar abaixo o que eu levantei
A bucha é dura
Mais dura é a razão que a sustem
Só nesta rusga
Não há lugar pros filhos da mãe
Não me obriguem a vir para a rua gritar
Que já é tempo de embalar a trouxa e zarpar
Bem me diziam
Bem me avisavam como era a lei
Na minha terra
Quem trepa no coqueiro é o rei
A bucha é dura
Mais dura é a razão que a sustem
Só nesta rusga
Não há lugar pros filhos da mãe
Não me obriguem a vir para a rua gritar
Que é já tempo de embalar a trouxa e zarpar